CTNBio classifica soja com genoma mais tolerante à seca como convencional
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou recentemente como convencional cultivar de soja desenvolvida pela Embrapa com genoma alterado para a tolerância à seca.
A medida deve acelerar o caminho da cultivar – que ainda é longo, de pelo menos 3 anos – até o mercado, quando estará de fato disponível aos produtores brasileiros.
“Ao considerar essa soja como não transgênica, os processos de pesquisa são menos burocráticos e, portanto, conseguimos reduzir o prazo e os custos para que as cultivares tolerantes à seca cheguem ao mercado”, destaca Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja.
A cultivar utiliza a técnica de edição gênica CRISPR (em português, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) para alterar o genoma da soja, deixando-o mais resistente em cenários de escassez hídrica – a exemplo do que vem ocorrendo no Rio Grande do Sul, com perdas superiores a 40% nas lavouras da cultura.
A decisão da CTNBio, respaldada na legislação brasileira (RN16), é, segundo os pesquisadores, alinhada com o que vem ocorrendo na maioria dos países que desenvolvem tecnologias para a agricultura, como os EUA, Canadá, Austrália, Japão, China e Argentina.
“O entendimento é que a biossegurança é mantida, quando as alterações no DNA feitas com técnicas de edição gênica reproduzem mutações que poderiam ocorrer naturalmente ou então serem obtidas por técnicas de melhoramento genético tradicional”, relata Nepomuceno.
“Por isso, esses organismos com genoma editado não têm sido considerados organismos transgênicos mas, sim, convencionais”, explica.
Nepomuceno lembra ainda que a União Europeia (UE), que era a única região do mundo que ainda considerava que qualquer técnica de alteração genética deveria ser considerada como transgenia, alterou sua posição em fevereiro de 2023.
“A Europa era o último grande player mundial a considerar transgênicos esses organismos com genoma editado. Essa decisão da UE é um grande passo para a harmonização da legislação mundial no que diz respeito ao uso de técnicas de biotecnologia principalmente na agricultura”, ressalta.
Processo de desregulamentação
“Além disso, com a decisão, não haverá a necessidade de conduzirmos o processo complexo de desregulamentação comercial de um produto transgênico, que é demorado e oneroso”, destaca a pesquisadora da Embrapa Liliane Henning.
De acordo com a Embrapa, a decisão da CTNBio foi baseada na normativa que regula o uso de técnicas de edição genética no Brasil, a Resolução Normativa nº 16 (RN16), a partir de solicitação da Embrapa Soja (Centro Nacional de Pesquisa de Soja), sediada em Londrina (PR).
A Embrapa explica ainda que, a partir dessa aprovação da CTNBio, o trabalho passa a ser para validar a planta editada, em diferentes regiões produtoras de soja, a partir dos testes a campo.
“Com esta decisão da CTNBio, teremos condições como empresa pública, de testar essa tecnologia a campo, e caso obtenhamos sucesso, reduzir as perdas por falta de água no campo”, explica Nepomuceno.
“Essa soja irá passar pelos testes que avaliam seu valor quanto ao cultivo e uso, assim como seu comportamento nos diferentes ambientes de produção. Esse processo leva, em média, 3 anos”, explica Henning.
Banco de sementes
Para chegar até o atual estágio da pesquisa, os pesquisadores identificaram no Banco Ativo de Germoplasma (BAG), que é uma coleção de sementes com mais de 65 mil acessos de soja (tipos diferentes do grão), quais eram as fontes de tolerância à seca.
A planta editada e agora aprovada pelo CNTBio foi a que se mostrou mais tolerante à seca na comparação com as plantas padrão durante pesquisas nas casas de vegetação da Embrapa Soja, que são ambientes controlados.
Seca no Rio Grande motiva pesquisas
A seca é um problema complexo, de ampla abrangência territorial e tem longo histórico de severos danos causados à sojicultura nacional.
Levantamento da Embrapa Soja mostra que, na safra 2021/22, os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul perderam mais de R$70 bilhões em grãos de soja não colhidos, devido à maior seca das últimas décadas.
“A tecnologia que estamos desenvolvendo visa ajudar a mitigar estas perdas relacionadas com períodos de veranico”, explica Nepomuceno.
A Embrapa, inclusive, já havia desenvolvido plantas tolerantes à seca via transgenia, utilizando genes de outras plantas em soja.
“Infelizmente, a polêmica em cima desta tecnologia tão importante tornou o custo para uma liberação comercial proibitivo para empresas públicas como a Embrapa, ou nossas universidades. Agora, na era da edição gênica, temos uma grande chance de trazer tecnologias importantes para a agricultura”, explicam Nepomuceno e Henning.